O epitáfio de Benjamin Franklin e a arte da tradução

Publicado em 11/03/2024

Maria Tereza de Queiroz Piacentini

 

                EPITAPH 

The body of B. Franklin, Printer;

Like the cover of an old Book,

Its contents torn out,

And stripped of its lettering and gilding, lies here,

Food for worms.

But the Work shall not be lost;

For it will, as he believ’d, appear once more,

In a new & more elegant Edition

Revised and Corrected by the Author.

 

                    EPITÁFIO

O corpo de B. Franklin, Impressor;

Tal como a capa de um Livro envelhecido,

Suas folhas rompidas e

Letras e douramento sem viço, aqui jaz,

Repasto para os vermes.

Mas o Trabalho não será perdido;

Pois aparecerá, como ele acreditava, uma vez mais,

Numa nova & mais elegante Edição

Revisada e Corrigida pelo Autor.

 

 

Ler, sentir, gostar. Por que não traduzir? Não pratico a arte da tradução, também denominada translação, termo que alguns estudiosos preferem porque traz o sentido mais amplo de extrapolar o texto para explicar a um outro contexto as diversas situações da vida humana. O poeta Marcos Lucchesi, ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, chama de “poética vicissitude” essa atraente, embora difícil, arte da tradução, sobretudo de poemas. Traduzir poesia, então, seria uma temeridade minha.

Entretanto, chego perto quando se fala do ofício da tradução. Enfrentei algumas vezes o desafio de ser intérprete de inglês, o que exige bom ouvido e conhecimento do tema, além de – no meu caso – enorme controle para não desviar o foco. Fiz a revisão técnica de oito livros traduzidos do francês, entre os quais Homo academicus, de Pierre Bourdieu (2011, Ed. da UFSC), e O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry (2015, Cia. das Letras). Com o inglês americano tenho mais familiaridade e por isso, ao revisar o português das traduções a que ainda estou dedicada, sempre me permito apontar alguma inexatidão e fazer sugestões ao tradutor.

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Li, senti conexão, gostei. Por que traduzir o epitáfio de Ben Franklin? Porque mutatis mutandis (em vez de Impressor, eu Professora) essas mesmas palavras poderiam servir para a minha lápide. Interesses e atividades em comum, como o fato de ele ter colaborado na redação do anteprojeto da Declaração da Independência dos Estados Unidos (1776) e eu trabalhado por um ano na revisão do texto da nova Constituição do Estado de Santa Catarina (1989), assim como a crença na reencarnação ­– talvez não exposta na sociedade calvinista da época mas bem explícita na prosa poética que traduzi acima –, justificam a razão de eu poder tornar meu o epitáfio de tão ilustre cidadão norte-americano. Mas as coincidências param por aqui.

              Benjamin Franklin (1706-1790) teve apenas dois anos de educação formal, com professor em casa. No entanto ele encontrou uma sólida maneira de aprender a língua inglesa com excelência: lia ensaístas famosos repetidamente, copiava e recopiava, até o ponto de saber reproduzi-los de cor. Aos 12 anos teve o seu primeiro emprego na oficina gráfica de um irmão; aos 24 anos já era proprietário de uma casa impressora, onde começou a produzir o próprio jornal (Pennsylvania Gazette). No mais, pontificou como escritor, inventor, cientista, ministro dos correios, político e embaixador na França.

              Com tantos empreendimentos bem-sucedidos e uma carreira profissional consagrada, B. Franklin quis deixar gravado no túmulo apenas o seu ofício menos proeminente. Dizem alguns biógrafos que este “Father of the Nation” aprendeu com tal maestria a arte da impressão que dela se orgulhou até o fim da vida, o que confirma o Epitáfio que legou à posteridade.  

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