Não Tropece na Língua

Número: 236
Data: 01/06/2016
Título: OLIMPÍADAS, MATERIAL E JURISPRUDÊNCIA

--- No Manual do Estado, E. Martins é categórico ao recomendar Olimpíada em vez de Olimpíadas; já Sacconi acaba com a recomendação de E. Martins, dizendo que ela foi válida em 400 a.C. O que vocês diriam? G. C., São Paulo/SP

 

Nós do Língua Brasil somos, em princípio, a favor do que a maioria do povo brasileiro usa. E no caso já está disseminado o plural Olimpíadas para designar cada edição dos Jogos Olímpicos. Assim é que os dicionários dão como certo tanto um quanto outro termo.

 

Originalmente usava-se o singular porque Olimpíada quer dizer “espaço de quatro anos”; significa o intervalo de tempo entre um evento e outro. “Tendo em vista a noção coletiva de olimpíada, que designa o conjunto de jogos realizados em cada olimpíada da Grécia antiga, desde o ano 776 antes de Cristo, justifica-se o seu emprego no singular, tal como os coletivos dúzia e dezena”, ensina Antônio Geraldo da Cunha no artigo “Etimologizando...” (Na Ponta da Língua, v. 2, Ed. Lucerna, RJ, 2002).

 

Entretanto, perdeu-se a noção etimológica e mesmo a noção coletiva da palavra quando começaram a ser realizados os jogos modernos. Como “jogos” é plural, referindo-se a modalidades diversas, foi natural que se passasse a usar também o plural olimpíadas. E isso não aconteceu somente na língua portuguesa. Em francês e italiano, por exemplo, se diz modernamente olympiades e olimpiadi. “Assinale-se, ainda, que para designar o conjunto dos jogos olímpicos, o latim empregava o neutro plural olympia (no genitivo olympiorum)”, esclarece Cunha. 

 

O apagamento da noção coletiva do vocábulo também ocorre com outras palavras, como o substantivo “material”, que veremos a seguir. 

 

 

--- A palavra material aceita plural (materiais), uma vez que já encerra uma ideia de coletivo? A. A., Rio das Ostras/RJ

 

Em tese, o subst. material é coletivo, pois nele está embutida a ideia de um conjunto de objetos, apetrechos, instrumentos. Trata-se de utensílios, ou de mobiliário, ou de armamento (material bélico), ou de amostras para exame de laboratório. Assim, é suficiente dizer, por exemplo, “vende-se material escolar”, em vez de “materiais escolares”. 

 

Contudo, o sentimento em alguns casos é que se deve usar o plural quando se fala de mais de um conjunto de material. Na loja que vende “materiais de construção” passa-se a ideia de telhas, pisos, louças de banho, mais pregos, areia, tijolos – a soma de cada material constituindo materiais. Mas está absolutamente correto falar “vende-se material de construção”, apesar da preferência nacional pelo plural neste caso específico.

 

Outra situação em que se tornou praxe o uso do plural é o de Engenharia de Materiais,  porquanto se faz referência a vários tipos de material: elétrico, hidráulico, mecânico etc.

 

O termo material também diz respeito a “substância constituinte” (material flexível, material vulcanizado) e a “tudo o que pode ser retirado da terra” (utilizou materiais como conchas, folhas, corais). Também nessas hipóteses há uma influência da ideia de vários tipos de material – pluralidade –, que apaga a noção de coletivo da palavra original.  

 

Quanto a jurisprudência, também um substantivo coletivo, deve ser utilizado no singular, uma vez que por ele se entende, resumidamente falando, o conjunto de decisões dos tribunais no mesmo sentido, ou seja, uma série de julgados similares. O termo jurisprudência só seria usado no plural se significasse um determinado julgado, um acórdão, uma decisão, uma unidade enfim. Como não se trata disso, é errôneo falar em “jurisprudências”. Pelo menos até onde se puder sustentar esse uso.