Não Tropece na Língua

Número: 216
Data: 13/01/2016
Título: CONSTITUIR, CATARSE E SUBSÍDIO

 --- Gostaria de saber se posso usar, indistintamente, as formas verbais constituir e constituir-se. Obrigada.  S.C., Brasília/DF

 

O mais exato seria dizer que no lugar de “constituir-se” pode-se usar “constituir”. O verbo constituir é muito amplo, tem todos aqueles significados que você já deve ter visto no dicionário (ser, estabelecer, instituir, nomear, eleger, formar, compor, produzir, ser a base ou parte essencial, organizar(-se), apoiar, basear). Podemos dizer que constituir-se em (não estamos falando de constituir-se de, que significa ser composto, ser formado) é uma de suas vertentes, uma derivação da construção originária que veio a ser usada com o sentido específico de passar a ser, tornar-se, talvez por analogia com transformar-se. Quer dizer, o pronome átono (se, me, nos) e a preposição não se fazem necessários na frase, mas assim são usados como ênfase, para reforçar a ideia do ser, do vir a ser, da transformação:
 
Nós jovens nos constituímos na esperança da nação.
 
Este texto se constitui em breve reflexão sobre o terceiro setor.
 
O Instituto de Educação tornou-se mais do que simples local para a formação de professores: constituiu-se sobretudo num locus da intelectualidade.
 
O diploma deixou de se constituir num bem raro. 
 
Em todas essas frases pode-se suprimir o pronome oblíquo e a preposição. Além da concisão, consegue-se até maior elegância: 
 
Nós jovens constituímos a esperança da nação.
 
Este texto constitui breve reflexão sobre o Terceiro Setor.
 
O Instituto de Educação tornou-se mais do que simples local para a formação de professores: constituiu sobretudo um locus da intelectualidade.
 
O diploma deixou de constituir bem raro. 
 
Em suma: você pode usar a construção “constituir-se em”, mas com critério.
 
--- Qual é a pronúncia certa de catarse? J. Silva, São José/SC
 
Em princípio, pronuncia-se katársi, porque na palavra catarse temos um s surdo (som de ss), e não sonoro (som de z). Por norma, a letra s depois de consoante aponta para  esse valor surdo, contudo há exceções: obséquio e trans – trânsito, transe, transido (cf. Não Tropece na Língua 253).
 
O caso de obséquio, em que bs = [bz], tende a estender-se a outros vocábulos, como subsistir e subsídio (cf. Mural de Consultas 12). Segundo Celso Luft, “o dilema- explicação é este: ou salvamos o [s], ou salvamos o [b]. Se salvamos o surdo [s], ensurdecemos o [b]”, isto é, ou se pronuncia [supsídio] ou [subzídio]. É uma questão de convivência harmoniosa; um fonema toma os traços de outro, geralmente vizinho, o que em línguística e gramática se chama de assimilação: sonoro-surdo pode dar em surdo-surdo ou em sonoro-sonoro. 
 
Isso “evidencia que a forma ortográfica subsídio representa uma irrealidade do ponto de vista da pronúncia”, continua Luft. “E vale mais uma vez alertar os professores: é um erro querer pautar a pronúncia pela escrita. A língua real manifesta-se através da fala. A escrita é uma representação secundária, sinalização de sinalização, extremamente imperfeita” (No Mundo das Palavras, s/d).