Não Tropece na Língua

Número: 201
Data: 30/09/2015
Título: ME FAZ O FAVOR ESTÁ CERTO?

 “Vivemos no Brasil, em 1989, onde é normal se expressar assim:

- Me faz o favor de rebater a carta, sim?

- Me arranja um clipe?
- Nos disseram que o abono sairia.
- Se vê que nada é impossível.
- Me é difícil julgar, admito.
 
Mais do que normal, é correto, sim senhor”.
 
“Dizer que não se pode iniciar a frase com o pronome átono (me, te, se, nos) me faz lembrar o amigo Bob, que, mal chegado ao Rio, antes de vir se radicar em Florianópolis, foi a um barzinho e repetiu a lição aprendida em Londres: “Dá-me um copo de cerveja”. O garçom simplesmente não entendeu. “CER-VE-JA”, repetiu o inglês. Aí foi atendido. Mas sempre que começava a dizer “dá-me” não era levado a sério. Só sossegou quando recebeu a explicação: brasileiro não fala assim.
 
“E o que fazem os livros de gramática? Se esquecem de ensinar que existem dois procedimentos: o formal, que não permite o pronome átono no início da frase, e o informal, coloquial, usado em diálogos principalmente, que admite o pronome iniciando a oração.
 
“Se o uso de ‘Faz-me o favor / foi-nos dito / é-me’ soa artificial, e por outro lado não se quer ferir a gramática tradicional, pode-se recorrer ao artifício de colocar uma outra palavra ou expressão no início da frase. Por exemplo:
 
A senhora me faz o favor de rebater a carta?
 
Por favor me arranja um clipe.
 
Positivamente nos disseram que o abono sairia.
 
Admito que me é difícil julgar.
 
se vê que nada é impossível.
 
“Por tudo isso se conclui que no português brasileiro o emprego do pronome átono é bastante livre – depende muito do ritmo, da harmonia, da ênfase que se quer dar ao sujeito ou ao verbo. Tanto é correto dizer Ele me ajudou como Ele ajudou-me. A escolha aí é bastante pessoal, subjetiva.
 
“Há, sem dúvida, certas palavras que atraem o pronome – como que, não, quando – justamente por uma questão de eufonia e ritmo. Por isso é importante apurar o ouvido com boas leituras. [...]”
 
A data do início do texto não está errada, não. Essa é uma coluna de português que escrevi naquela época e foi publicada na revista ATX, de SP, e no jornal O Norte, de João Pessoa. Resolvi republicá-la agora justamente porque, diante dos estudos linguísticos que têm se realizado no Brasil nas últimas décadas, está cada vez mais acesa a discussão sobre a necessidade de uma gramática da língua brasileira. E o tópico sobre o uso dos pronomes oblíquos vem sempre à tona quando se fala no assunto. Na próxima semana, trarei alguns exemplos de colocação pronominal do século XIX, usada por pessoa da maior distinção política no Brasil imperial.