Não Tropece na Língua

Número: 145
Data: 05/08/2020
Título: GERUNDISMO E ENDORREIA

--- Sobre a coluna “Gerundismo e gerúndio” [nº 120] gostaria que desenvolvessem mais o tema, pois o gerundismo está absolutamente difundido. Às vezes assisto a palestras e acabo prestando mais atenção à forma que ao conteúdo tamanho é o uso do gerundismo. Doem meus ouvidos. Graça, São Paulo/SP


Também o leitor Joilson Leal, de Belo Horizonte/MG, se interessa pelo tema e pergunta: “Qual o macete para descobrir o gerundismo e não entrar nesse horror?


Se o gerundismo é fenômeno linguístico relativamente recente no Brasil, não o é a endorreia – “é assim que os puristas chamam ao abuso do gerúndio e ao seu uso pouco vernáculo”, informa Rodrigues Lapa, em Estilística da Língua Portuguesa (1959:177). Esse nome um tanto esdrúxulo provém da formação do gerúndio nos verbos da segunda conjugação [vendo, tendo, vendendo etc.] e chama a atenção para um excesso de gerúndio no português brasileiro que chega a soar mal aos falantes do português europeu. Lá se diz, por exemplo, "estão a fazer renda" em vez de "estão fazendo".


Dizem que a endorreia é francesismo. Já o gerundismo é atribuído à influência do idioma inglês no Brasil. Seria uma tradução malfeita de “I am going to do something” (literalmente: Estou indo fazer algo), ou então a tradução ao pé da letra de um futuro muito usado pelos americanos: “We will be sending you the catalog soon”, que se traduziria literalmente por “Nós estaremos lhe enviando o catálogo em breve”. Em português temos a opção de dizer “Nós lhe enviaremos” ou “Nós vamos lhe enviar o catálogo”, sem necessidade da fórmula *Nós vamos estar lhe enviando.


Esta construção abusiva do gerúndio é muito utilizada nos serviços de atendimento ao cliente por telefone e telemarketing, e nesse caso pode se explicar por uma tradução apressada dos manuais que vêm do exterior. Mas ela se repete em inúmeras outras circunstâncias porque de fato entrou no gosto do brasileiro – veja-se a endorreia tão nossa!


De qualquer modo, há que se distinguir o bom do mau emprego gerundial. “O problema consiste em saber se de fato o uso do gerúndio traz vantagem estilística sobre os outros processos” (ibidem, p. 178). Vale dizer que ele é muito apropriado nos casos em que se necessita transmitir a ideia de movimento, de progressão, duração, continuidade.


É correto, então, nestes exemplos (reais):


1) Em virtude do atraso, estaremos recebendo o pagamento em conta corrente nos dias 27 e 28.

2) – Podemos nos encontrar no fim de semana?
– Infelizmente não, pois vou estar viajando. [ou: estarei viajando]

3) Em outros artigos ela estará dando maior atenção a cada um desses temas.

4) Ela deve estar fazendo as tarefas de casa agora.


É abusivo – gerundismo – nos seguintes casos:


5) Vou aproveitar o 13º para estar pagando tudo. [devemos trocar por: para pagar]

6) Concomitantemente, temos que estar discutindo e reconstruindo um currículo escolar que venha a ser um instrumento de formação integral. [temos que discutir e reconstruir]

7) Estes temas devem servir para estarmos aprofundando as discussões. [para aprofundarmos]

8) Nossos atendentes vão estar efetuando a cobrança somente em maio. [vão efetuar = efetuarão]


Repetindo o que vimos na coluna Não Tropece na Língua 120 e considerando as frases acima: evita-se o gerundismo ao fazer a troca da locução verbal IR + ESTAR + gerúndio por IR + infinitivo. Em vez de vou estar mandando, diga vou mandar ou mandarei.