Não Tropece na Língua

Número: 062
Data: 02/01/2019
Título: DEIXEM AS CRIANÇAS BRINCAR

Deve-se dizer "deixem as crianças brincar" ou "brincarem"? Tanto faz. Vejamos por quê.


Na coluna Não Tropece na Língua 49 observamos como funciona o infinitivo pessoal flexionado: com flexão optativa [convidou as crianças para brincar/brincarem no pátio] ou obrigatória [reformou o pátio para as crianças brincarem à vontade]. Um passo além disso é conhecer e aplicar corretamente o infinitivo nas frases elaboradas com os verbos "ver, ouvir, sentir, fazer, mandar, deixar". Se o complemento desses verbos for um substantivo, será optativa a flexão; mas se o complemento for um pronome pessoal oblíquo, a flexão será proibida. Exemplos:


                                Complemento substantivo / Complemento pronome


Viu os meninos pular/pularem o muro./ Viu-os pular o muro.

Ouvi os gatos arranhar/arranharem a porta. / Ouvi-os arranhar a porta.

Não sinto os corações bater/baterem. / Não os sinto bater.

Faça os alunos ficar/ficarem quietos. / Faça-os ficar quietos.

Vou mandar as meninas entrar/entrarem. / Vou mandá-las entrar.

Deixou as duas ficar/ficarem descalças./ Deixou-as ficar descalças.


Os verbos ver, ouvir e sentir (e sinônimos) são chamados de sensitivos; fazer, mandar e deixar, de causativos ou factitivos.


Qual a melhor opção do redator?

1) Preferentemente, não flexionar quando o infinitivo vem logo depois dos verbos sensitivos e causativos:


O papel da imprensa é fazer circular as informações.

Deixai vir a mim as criancinhas.”

Francisco Braga demonstrou sua inclinação para a música fabricando instrumentos rústicos de bambu, nos quais imitava trechos que ouvia executar os seus colegas mais velhos.


2) Quando o infinitivo é um verbo pronominal (com o pronome se), a preferência é pela flexão:


O fato é que pelo país afora vemos esses hospitais se afundarem em dívidas e mostrarem-se incapazes de se equipar.

O joalheiro vê multiplicarem-se os pedidos e o faturamento da firma.

O cinegrafista ainda conseguiu ver as mãos se soltarem do gradil.


Mas devo repetir: em qualquer circunstância, basta haver um pronome oblíquo para que não se possa pluralizar/flexionar o infinitivo:


Mande-as entrar, por favor.

“Não nos deixeis cair em tentação.”

Faça-os calar imediatamente.

Nós os ouvimos fechar a porta de mansinho.

O cinegrafista as viu se soltar do gradil.

Lula sempre nos deixou falar. [Erro gramatical: "nos deixou falarmos"]


Nos demais casos, a escolha é pessoal, talvez até uma questão de ouvido:


O que faz certas regiões ser/serem mais populosas que outras?

O jacaré deixou os patinhos e todo mundo nadar/nadarem na lagoa.

Não há advogado que faça esses baderneiros respeitar/respeitarem a lei.

Os surtos de dengue e febre amarela fizeram os indicadores de saúde pública brasileira retornar/retornarem ao início do século.

Ficava observando, olhando as formigas carregar/carregarem pedaços de folhas de um lado para o outro.